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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Região Serrana do Rio: Tragédia Anunciada

Os telejornais da manhã anunciavam a macabra contagem de mortos ocorridas nestes dias no Estado do Rio de Janeiro, em Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Esse número agora está em mais de 500 óbitos e tende a subir, uma vez que há inúmeras localidades ainda isoladas às quais os órgãos da administração que prestam serviços de ajuda emergencial, como o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, ainda não tem acesso.

Foto 01
As cenas vistas nas TV´s são de cortar o coração, de fazer chorar. Mas trata-se de uma tragédia quase com data e hora marcadas sempre que o volume de chuvas, especialmente no verão, ultrapassa os limites pluviométricos diários médios e, concentra-se em poucos dias.

Em meio ao caos e à perplexidade que tais eventos provocam, já começam a pipocar, aqui e ali, especulações sobre os culpados por essa tragédia.

Uma análise mais simplista sobre os culpados aponta para a mãe natureza. Afinal, ninguém pode prever que as chuvas vão ter comportamento tão imprevisível. Mas será mesmo?

Bom, se não é a natureza a culpada ou a única culpada, podemos então atribuir a culpa à vontade divina. Deus dá, Deus tira. Pode ser... Mas, pessoalmente, eu credito a responsabilidade aos gestores dos municípios afetados, especialmente às várias administrações passadas, que deveriam cuidar para que esses eventos não acontecessem ou, pelo menos, quando acontecessem, que seus efeitos sobre a sociedade pudessem ser minorados, numa visão de atuação para o futuro, para o olhar antecipado do que está acontecendo agora. Mas olhar para o futuro é quase utopia no mundo da política e das administrações municipais. O negócio é tratar do presente. Obras para o presente rendem votos, podem garantir uma re-eleição. Obras para o futuro são quase invisíveis, não rendem os esperados votos, não se pagam eleitoralmente. A verdade, de fato, é que a negligência no trato da coisa pública, o não zelar pela segurança e pelo bem estar da população é uma constante.

Então por que mesmo essas tragédias vez por outra acontecem?  Sem hipocrisia, as causas são mais que conhecidas. Afinal, essa não é a primeira catástrofe que acontece na região serrana. O que a difere das anteriores é que dessa vez todos os limites do caos foram ultrapassados. Essa é a maior tragédia do gênero no País.

Foto 2
Não é necessário ser especialista em geotécnica para perceber a enormidade do número de construções em áreas de riscos no Estado, especialmente aquelas no qual as construções se dão em encostas, seja na cidade do Rio de Janeiro, em Niterói, em Angra dos reis, na região serrana. Essas construções estão por toda a parte.

No caso da região serrana, uma simples visita ao belo – quando não há tragédias como essa – trajeto rodoviário Rio – Petrópolis, que guarda um pouco do que restou da Mata Atlântica, com a bela floresta capeando as encostas e montanhas de formidáveis formações graníticas, já mostra, há muito, inúmeros trechos de ocupação das encostas pela população. Esse problema só tende a se agravar. Para quem passa na região, é visível o avanço das habitações encosta acima.

Chegando a Petrópolis o quadro não muda. Em Teresópolis muito menos. Em Nova Friburgo e, certamente, em toda a região serrana do Estado, o quadro é o mesmo. São casas pobres, condomínios de classe média, bairros inteiros “empoleirados” nas encostas ou debruçados à beira dos rios e riachos da região.

Esse cenário, a vista paradisíaca, como no do distrito de Itaipava, quando nada acontece e a normalidade reina, é maravilhoso de se ver. Ele atrai muita gente que quer ter uma boa qualidade de vida, ar de montanha, clima ameno e sossego. Mas, na verdade, trata-se de uma verdadeira armadilha. Armadilha essa engatilhada para disparar na primeira grande anormalidade pluviométrica da natureza; como essa de janeiro de 2011.

Ao se construir próximo ao sopé ou sobre um terreno íngreme, com a vegetação capeando a formação rochosa, corre-se grande risco. Isso ocorre por que, quando há chuvas intensas e continuadas, o solo vai se encharcando com a água que se infiltra, até o ponto em que o peso do terreno argiloso + vegetação + água acumulada, apoiada sobre o substrato rochoso impermeável, normalmente com elevado aclive, acaba por colapsar e descer montanha abaixo, ao se exceder um limite crítico de tensão cisalhante na interface entre o solo argiloso e a rocha, pela formação de um filme de “lama + água” escorregadio, que diminui o coeficiente de atrito e a ancoragem mecânica. Um colapso parcial também é frequentemente visto, com parte da encosta formada pelo solo argiloso + vegetação descendo pelo declive. Quem nunca viu na região de Nova Friburgo – Petrópolis – Teresópolis, ao longo da estrada Rio - Santos, aquelas “línguas” de terra e capeamento vegetal que desceram montanha abaixo, deixando desnuda a encosta sem a vegetação ou mesmo só restando a rocha nua? São favas contadas. Qualquer administrador mais atento vai perceber que esses locais são instáveis e propícios à ocorrência, natural, de movimento do solo e, portanto, a ocupação para fins residenciais, seja via ocupação ilegal (favelas), loteamentos populares ou condomínios de luxo, deve ser precedido de profundos estudos de geotécnica para apontar os.locais aonde a ocupação pode ser feita sem riscos, ou aquelas nos quais deverão ser realizadas “obras de reforço e contenção de encostas” antes que a ocupação se dê, ou da onde a população deve ser removida, seja qual for o “preço político” a pagar por tal ação.

Como esse País, como um todo, carece de planejamento e políticas preventivas que envolvam a mitigação do risco de acidentes à população e, em função da insipiência, na maioria dos casos, dos serviços de mapeamento geológico e de contenção de encostas, o que se vê é que a ocupação do solo ocorre, legalizada ou não, aos olhos inertes do poder público municipal e, via de regra, reza-se aos céus para que nenhuma tragédia aconteça. E quando acontece, ceifa a vida de dezenas, de centenas de pessoas, de cidadãos, como neste caso. Além da perda econômica para a municipalidade, do elevado número de pessoas deslocadas e das centenas de pessoas desabrigadas, que, embora salvas, perdem, invariavelmente todos os seus bens e se tornam “sem teto”, com ônus crescente para toda a sociedade, que já convive, salvo raras exceções, com apreciável débito habitacional. Assim, a tragédia, como não poderia deixar de ser, é socializada. O prejuízo é de todos, fruto do descaso das autoridades.

O que fazer? Essa resposta todos sabem. Ela é apresentada pelas autoridades e especialistas há tempos na mídia. E nada mais é do que:

- Planejar a ocupação do solo, especialmente nas áreas de risco, como as tipicamente encontradas na região serrana do Estado, no município do Rio, em Niterói e em tantos outros municípios.

- Fazer um completo mapeamento geotécnico das regiões críticas, apontando aonde é permito construir ou não e fiscalizar para que se cumpra a proibição de construção.

- Planejar e executar obras de contenção.

- Aprimorar a coleta e descarte organizado de lixo, especialmente em favelas em áreas de risco.

- Realocar moradores de áreas de risco, de forma preventiva, antes que os desastres aconteçam. Afinal, de nada serve a Defesa Civil burocraticamente condenar o local. Quando houver risco à vida, o morador deve ser retirado compulsoriamente, dentro dos limites da legalidade, respeitando seus direitos, mas deve ser retirado para local seguro. Neste caso, o Estado deve lhe dar opções dignas de nova moradia. Deve agir.

- Fazer um trabalho de coordenação de todos os atores envolvidos na “cadeia de identificação, diagnóstico e trato de calamidades”, isto é, órgãos de geologia/geotécnica, defesa civil, corpo de bombeiros, órgãos de saúde e medicina legal, dentre outros, mais a vigilância metereológica, afim de se poder alertar a população, à tempo, de riscos e desastres iminentes e, de forma organizada, poder tratar eventos como esse que está ocorrendo, da forma o mais eficaz possível.

O que foi elencado neste texto só pode ser feito com investimento continuado ao longo dos anos. Mas, somente com os recursos municipais, nenhum trabalho sério, de substância, será possível de ser feito. É preciso a união de todas as esferas do poder, a priorização do assunto com o olhar no longo prazo, talvez vinte ou mais anos, seguido de substancial aumento do investimento a ser realizado, do capital financeiro. Soluções concretas passam ainda, necessariamente, pelo substancial aumento do capital humano disponível, através de mais contratações de pessoal especializado, do reforço das equipes de geotécnica e geologia do Estado; de tal forma que esses profissionais, e seus órgãos de administração, possam cumprir adequadamente a sua função em prol da sociedade. Da mesma forma, é evidente também a necessidade de se aparelhar melhor e reforçar o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, quando esses serviços existem no município, ou, em não existindo, criá-los em municípios-sede que possam também atender, em rede, aos municípios menores.

O caminho é longo. Mas é possível chegar-se a uma solução. Um exemplo que temos visto de boas práticas de gestão pública na questão da prevenção de riscos, mapeamento de encostas, de risco geológico e obras de contenção, tem sido feito nos últimos anos no município do Rio de Janeiro. E os resultados positivos já começaram a aparecer, embora, muito ainda tenha que ser feito pela cidade.

A vovó já dizia, bem lá atrás, que é melhor prevenir do que remediar. O negócio é lembrar do ditado. Tratar a questão como deve ser tratada, para que tragédias como essa não voltem a acontecer. Mas antes de mais nada, começar a agir, e hoje, de fato.

Referências:

Foto 1
Foto 2

2 comentários:

  1. Parabens,muito esclarecedor,mas continuo não acreditando em nada mais de bom para nos pobres Brasileiros medrosos e covardes,somos mesmo,sempre de cabecinhas abaixadas e cordatos com tudo e com todos.AMEM

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  2. Virna. A coisa é mesmo complicada. Há um total descaso da classe política com os reais anseios e necessidades do povo. A solução, a meu ver, é de longo prazo. Primeiro educação, mais anos de estudo. Depois mais informação a respeito dos nossos direitos enquanto cidadão e, em terceiro lugar, o voto. Valorizar a escolha. E aí entra a reforma política. Se o voto distrital existisse, talvez fosse mais fácil resolver essas questões mais prementes da sociedade.

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